Sobre amores modernos

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Trajetórias

Postado por Antonio Augusto em 23 Setembro
Após chegar a esse planeta caótico, contrariando probabilidades - o cordão umbilical laçava o meu pescoço - levei a primeira palmada na vida (e da vida), chorei, berrei e anunciei que não me conformaria apenas com receitas testadas, pratos feitos nem com a falta de sobremesa. Sempre apreciei a doçura! 
A obstetra achava que olhava para ela, mas, na verdade, encantei-me com a luz refletida no termômetro que parecia saltar do seu bolso. Sempre gostei de um aparelhinho!
Se nascesse de novo, ao invés de ser trazido por uma cegonha, chegaria de drone. Fico imaginando a cena: toda a família olhando para cima e o drone me trazendo devagarinho, um movimento vertical lento e gradual. Tudo filmado em altíssima resolução. 
A vida passou rápido, como um filme bom, daqueles que o mocinho descobre a trama sórdida do bandido, ganha a briga no último soco; sai correndo desesperado e chega no aeroporto a tempo de pegar o vôo da amada. Na vida real foram muitos vôos perdidos, derrotas impostas por vilões e tramas desvendadas quando já era tarde demais. Mas não importa. Ficaram os roteiros, as cenas, os beijos e os dublês de mim mesmo.
Cinco décadas e tantos anos depois, as palmadas da vida ainda são frequentes. Aprendi a berrar menos e o choro anda rareando, como otimismo em hospital público. Minhas emoções são uma verdadeira salada. Folhas novas, crocantes, saborosas, misturadas com outras que perderam vitalidade e não despertam apetite. Os legumes brigam por espaço e suas cores procuram disfarçar as folhas velhas. Vivo procurando o molho certo, através da combinação de ingredientes - novos e velhos - e o processo empírico tem dados sinais do meu desgaste, da falta de tolerância e de uma certa desilusão que sorrateira, procura ocupar as lacunas.
Por algum motivo inexplicável, existe em mim um torcedor fanático, cujo time foi para a quarta divisão, mas ele não desiste de sonhar com o campeonato. As idas ao estádio terminam sendo mais importantes que o placar e as derrotas passam a ser eventos; simples eventos.
Esse torcedor vibra desde o primeiro berro; aquele que comemorou a liberdade do laço que impediria a estréia e segue desafiando o destino; desenhando trajetórias improváveis!
 
 
Antonio Augusto
 

Sobre o Autor

Escritor

Antonio Augusto escreve sobre o que vê, sente, entende e aprende.

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