Abandonei tudo e parti para o Chile. Os amigos do seminários, e sua rede de contatos, descobriram que Consuelo havia sido mandada para um colégio católico em Santiago. Encontrei o Colégio Vila Maria e fui diretamente do aeroporto, depois de uma longa espera através da imigração, devido a uma greve de funcionários públicos.
Ao chegar ao Colégio,dirigi-me à secretaria e perguntei por Irmã Consuelo. A senhora de meia idade, cabelos grisalhos escorridos sobre a testa, óculos vermelhos de leitura, estacionados na ponta do nariz, levantou o olhar com ar de desprezo, pediu um momento e saiu da sala. Voltou, alguns minutos depois, com uma freira que pediu que a acompanhasse.
Ela me levou até a porta de saída e disse que deveria esquecer Irmã Consuelo, que ela precisava seguir sua vida dedicada a Jesus.
Desolado, fui para o hotel que ficava a uma quadra da Colina de Santa Lucía.
Encontrei mais um contato da minha rede de seminaristas na Colina, no dia seguinte a tarde. Fui informado que Consuelo estava morando em San Pedro de Atacama.Voltei para o hotel, consegui um vôo para Calama, dois dias depois.
Para lidar com a ansiedade, passei os dias até a viagem, andando pelos quase 5km da Avenida Libertador General Bernardo O'Higgins, que cruza Santiago de Leste a Oeste.
O voo para Calama foi um verdadeiro martírio, devido a turbulência tão comum nas regiões andinas. Em certos momentos tive medo de morrer. Até então, nunca havia temido a morte, mas ao reconhecer o medo, pedi a Deus que não me levasse sem a chance de rever Consuelo.
O avião finalmente pousou. O toque no solo foi sucedido por um suspiro coletivo de alívio.
Cheguei ao terminal, aluguei um Renault compacto e parti para San Pedro de Atacama. Após uma hora e meia de paisagem, monotonamente, desértica e ventos que faziam o carro dançar pela estrada como um bêbado equilibrista, cheguei ao vilarejo turístico com suas construções simples, muros que tinham em seus topos triângulos que simbolizavam os vulcões, casas humildes de portas pequenas que revelavam a baixa estatura da população, originariamente, indígena.
Cheguei ao meu hotel, La Casa de Don Tomás - o nome era mais imponente que a realidade: uma construção térrea moderna, mas que guardava o estilo de casa de barro, a pouco mais de um quilômetro da Igreja de San Pedro. Jovens de diversas nacionalidades, em suas roupas de caminhadas, iam e vinham.
Fiz o check-in, fui até o quarto, deixei a mala, abri uma garrafa de água mineral, sentei na cama e pensei no encontro com Consuelo. Só então me dei conta que os dois dias de espera e ansiedade havia quase me esgotado, mas não me entreguei. Levantei, tomei banho, troquei de roupa e fui até o endereço de uma casa de freiras que prestavam assistência às populações pobres da região.
Caminhei, apressadamente, pelas ruas empoeiradas até chegar à casa de Consuelo. Janelas e porta fechadas, parecia não haver ninguém. Abri o portão de madeira, caminhei até a porta, olhei e o silêncio confirmou minha percepção. Havia um banco de madeira embaixo de uma árvore com galhos secos. Sentei e esperei, observando as cores escarlates do céu que revelavam a chegada da noite.
Após pouco tempo, finalmente escureceu e o céu povoado de estrelas seria um espetáculo, não estivesse eu tão angustiado pela espera.
Alguns minutos depois, quatro mulheres se aproximaram do portão e seus trajes não deixavam dúvidas que eram freiras. Aproximei-me e vi Consuelo. Ao me ver, ela pareceu paralisada. Para surpresa das outras freiras, nos abraçamos e nos beijamos
como sempre sonhamos fazer. O beijo durou uma eternidade e cada segundo escandalizava mais as outras irmãs. Foi então que senti um empurrão e um tapa no meu rosto.
Isso não pode acontecer, disse a freira mais velha em espanhol, mas com forte sotaque. Como se tivesse sido acordado de um ataque de sonambulismo, empurrei a freira com violência, peguei a mão de Consuelo e saimos correndo pelas ruas de San Pedro de Atacama sob o céu estrelado.
Chegamos ao hotel, ofegantes, mas felizes. O olhar de surpresa dos funcionários ao ver que abraçava uma freira com intimidade indecente, não teve qualquer importância. Fomos para o quarto e passamos a noite nos descobrindo através dos nossos corpos, realizando os desejos e possuídos por um bem estar que transcendia qualquer coisa que já havia vivido.
Acordei bem cedo e o cenário no quarto era de um certo caos de prazer. Levantei, fui ao banheiro, voltei, sentei na cama e observei a nudez de Consuelo misturada aos lençóis. Suas curvas eram perfeitas, a pele branca, uma tela perfeita para as inúmeras tatuagens que cobriam seu corpo.
Consuelo acordou,sorriu do meu olhar de surpresa, bateu levemente sobre a cama me convidando para sentar ao seu lado e disse que havia muito que eu precisava saber.
Contou-me que seu nome de batismo era Sofia e que foi vendida aos 12 anos como escrava sexual. Viveu em um bordel no interior de Minas Gerais até os 16 anos, quando foi libertada e adotada em um convento das irmãs imaculadas de Maria. As feridas da infância roubada foram, pacientemente, curadas pelo carinho, cuidado e educação.
Emocionei-me com seu relato e com a maneira como lidava com suas dores. Difícil imaginar como uma pessoa tão bonita pudesse emergir de um passado tão cruel.
Saimos do hotel às onze e meia. Antes, comprei algumas roupas para Sofia e fomos começar nossa caminhada juntos. Decidimos viajar pelo Chile, ir do Atacama até a Patagonia.
A estrada reta pelo deserto, agora parecia interessante com a companhia de Sofia. As conversas animadas eram intercaladas por silêncios de plenitude. Nesses momentos, virava para o lado e a observava Sofia, sorvendo cada gesto, cada sorriso.
A sensação de prazer fez com que eu tirasse a atenção da estrada e não percebesse o caminhão que vinha na contramão. Quando olhei já era tarde demais. A colisão foi violenta. Nossa história foi interrompida pelo punhal cruel do destino!
Despertei após dois meses em coma. Preferi ter morrido ao saber que Sofia não resistiu. Mais que a sequela física que me faz mancar até hoje, minha alma foi amputada.
Após um longo período de recuperação, juntei os pedaços e resolvi me tornar um andarilho pela Patagonia.
Cheguei em Puerto Natales, há alguns anos, e caminho, diariamente, até a Laguna Sofia onde, de alguma forma, me reencontro com o amor da minha vida e que deu sentido a minha existência.
Antonio Augusto
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