"Tô trancado aqui no quarto
De pijama porque tem
Visita estranha na sala"
Eu Também Vou Reclamar
Raul Seixas
E a medida que a vida passava lá fora, mais o quarto era seu lugar preferido e mais achava que havia visitas estranhas na sala.
Ela aprendeu a viver só, a estar só, a não ter companhia e a seguir pela vida contando com o acaso e, de certa forma, conformada com o que aparentemente não mais teria. Sentia-se como um caçador de pérolas do Pacífico, mergulhando continuamente. Vivia buscando sem admitir que buscava. No fundo tinha medo de nunca encontrar, de caminhar pela vida só.
Há algum tempo estava cansada do quarto, da solidão e da busca, mas sair do conforto e da segurança do pequeno mundo conhecido, era difícil. Lá, entre o trabalho,livros, músicas e sonhos, se alimentava e seguia vivendo. Além disso estranhava cada vez mais as visitas que insistiam em aparecer. Elas pareciam cada vez mais estranhas.
E aí ele apareceu ! Era como se o acaso tivesse batido em sua porta e deixado uma surpresa, uma boa surpresa.
Ele chegou de um jeito especial, usava as palavras como um artesão e sabia como fazer para que elas chegassem a um lugar distante dentro dela, bem no fundo, há muito desabitado.
Além da maneira de falar, ele a olhava de um jeito diferente, surpreendente, uma mistura de atenção e desejo que mexia. Ela que estava acostumada a ter o controle, a ser direta e desconcertar, agora ficava sem saber aonde colocar as mãos, o que fazer com os movimentos do corpo e os impulsos da alma.
Ele a olhava e a tratava como uma mulher. E a sensação era tão boa como as memórias da juventude. Parecia simples mas se sentir assim era algo que existia apenas no passado.
Havia sobrevivido num mundo masculino e foi se endurecendo, criando defesas e artifícios que protegessem aquele imenso manancial de sensibilidade que ela sabia ter. Aquele olhar parecia enxergar o que ela sempre soube esconder, dissimular, disfarçar, e isso era bom e assustador ao mesmo tempo.
Ela evitou olhar a maior parte da noite, mas ao se despedir, o abraço desmontou defesas, revelou desejos e o beijo foi inevitável. Ela se recompôs pronunciou um formal a gente se vê, e foi embora.
Voltou para o quarto, onde se sentia confortável mas teve vontade de sair, de ir ao encontro dele novamente. Não ouvia mais o barulho das visitas estranhas na sala e a possibilidade de abandonar a solidão trouxe um sorriso e uma alegria que há muita não sentia.
Antonio Augusto
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