Sem dizer adeus
O telefone tocou. Seria mais uma ligação a interromper um almoço entre amigas, não fosse a expressão de Janete. Ela desligou e atônita disparou: mamãe morreu!
Duas palavras que provocaram um silêncio trágico e transformaram o evento alegre e descontraído em surpresa e comoção.
Janete ainda tentava processar a notícia ou se convencer se era mesmo verdade, não sabia.
Esteve com a mãe na semana anterior e ela parecia muito bem, animada com a viagem que fariam em breve.
As amigas também atordoadas, abraçaram Janete, tentaram acolhê-la e demonstrar solidariedade. Não há muito o que fazer ou dizer nessas situações.
Janete se despediu e foi para o aeroporto. No taxi, queria chorar mas não conseguia. As emoções ainda não encontravam uma porta de saída e a sensação era um misto de tristeza, surpresa, revolta e medo.
Ela sabia que não há preparo para a morte de quem amamos, mas quando existe uma doença, parece que há uma certa resignação paulatina. Não foi o que ocorreu todavia.
Não houve oportunidade para uma despedida, para uma reconciliação em relação àqueles atos que o tempo cristaliza em ressentimentos. Não houve chance para um último olhar terno, um afago que redime, um eu te amo que apaga marcas e deixa apenas as boas memórias. Era como se um livro fosse arrancando de suas mãos, sem que houvesse oportunidade de ler o epílogo.
Durante o vôo lembrou das cenas mais marcantes que dividiu com a mãe. Foram muitas e variadas. Deu-se conta que lembrava mais do que imaginava ser possível guardar. Lembrou da festa de quinze anos, da primeira viagem ao exterior, dos verões na casa de praia em que a família se reunia. Lembrou dos embates e das discussões, do período que se afastaram e do reencontro quando voltou do exterior. Lembrou das conversas sobre casamento, sobre desencontros e sobre a vida. Lembrou o quanto quis ser diferente dela.
Lembrou das suas críticas e dos comentários ácidos, dos preconceitos e da mania de criar palavras, das contradições entre a dureza pragmática e a capacidade de se doar de um jeito especial e raro, àqueles que estavam doentes. A doença do próximo parecia desarmá-la e tirar dela o melhor de si.
Quanto mais lembranças se materializavam mais ela se via na própria mãe, mais descobria semelhanças apesar de serem tão diferentes.
Começou a chorar finalmente. As lágrimas vieram fortes e o coração parecia querer sair do peito. Curvou-se, colocou a cabeça entre os braços e chorou profundamente. Chorou pelo adeus sem despedida, pela dureza da impossibilidade do reencontro e do fim que se proclama absoluto. Chorou pelo beijo que não deu, pelo abraço afetuoso que desejou por tanto tempo e por não poder dizer que a aceitava mesmo sem comprendê-la, mas a amava.
O avião pousou. O impacto da aterrissagem fez com que ela, de alguma forma,acordasse do pesadelo real.
Saiu do avião e era um dia de sol. Desceu as escadas e caminhou para o saguão. Aquele aeroporto que significava o início de cada reencontro, havia se transformado na porta para um mundo incompleto que agora se descortinava.
Antonio Augusto
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