Medo
- E aí, amiga? Foi tudo bem?
- O jantar foi maravilhoso. O restaurante era muito chique e a comida deliciosa.
- E ele pagou a conta?
- Claro. Um cavalheiro.
- Espécie em extinção.
- E se te disser que abriu a porta do carro e puxou a cadeira ?
- Vou achar que você está mentindo.
- É verdade.
- E a conversa?
- Ele é culto, já viajou bastante e super ligado em tudo que acontece.
- Então o papo foi bom?
- Ri muito. Ele é muito espirituoso. Nem vi o tempo passar.
- Mas tem um defeito grave.
- É gay?
- Nada disso, ao contrário, tem jeito, olhar, firmeza e cheiro de homem.
- E qual é o defeito?
- Ele parece ser rico.
- E isso é defeito?
- Pra mim é.
- Por quê? Ele é esnobe, metido a besta?
- Não, nada disso. Super na dele. Fala das coisas com naturalidade e não é deslumbrado.
- E qual o problema?
- Eu sou simples demais pra ele.
- Como assim?
- Ele já viajou o mundo e eu não sou tão viajada assim.
- E daí?
- Ele está acostumado com lugares chiques.
- E ?
- Eu sou simples, amiga.
- Mas você é inteligente, bonita, divertida, alto astral.
- Você é suspeita pra falar isso.
- Você sabe que é tudo isso.
- Eu sei, mas foi tudo tão bom e…
- E o quê?
- E eu queria ser muito mais?
- Já passou pela sua cabeça, que ele pode gostar de você exatamente porque você é desse jeito?
- Será?
- Ele ligou?
- Ligou e me convidou pra sair novamente.
- E você?
- Disse que essa semana não ia dar.
- Amiga, você deve dar e logo!
- Fale sério, vai!
- Você está complicando demais. Quer um sujeito limitado, mesquinho e bronco? Posso te apresentar um monte ?
- Não seja tão dura comigo.
- Quem está sendo dura com quem?
- Eu não me dou uma trégua, né?
- É. Faça como aquele cara do anúncio da TV.
- Qual?
- Ligue já!
- Estou com medo.
- Posso te confessar uma coisa?
- Pode.
- Eu também teria. Mas a gente precisa parar de fazer as coisas só por medo.
- Verdade. Estou me sentindo como na música do Belchior:
Eu tenho medo e medo está por fora
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião
Antonio Augusto