O caminho
Violeta e Antonio se conheceram por acaso em um congresso esotérico. Ela foi levada ao evento por uma amiga psicóloga, ele,lá chegou porque desceu no ponto de ônibus errado. Ela tinha pouco mais de trinta anos, ele, vinte e seis. A serenidade, equilíbrio e bom senso que nela sobravam, faltavam nele.
Antonio era um artista à frente do seu tempo, como gostava de se descrever. Sabia-se artista mas não havia ainda definido a qual das sete artes iria se dedicar. Achava que não podia se limitar, que a vida era sobre as infinitas possibilidades.
Eram tão diferentes aparentemente, que pareciam unidos pelo absurdo. As diferenças eram tamanhas que se tornavam engraçadas.
Quando se conheceram Violeta já havia iniciado carreira em uma grande empresa e sabia exatamente aonde queria chegar. Ela vinha de uma família de espanhóis, católicos fervorosos, teve uma educação rígida. Ele veio de uma família de escritores, músicos e mestres do movimento. Assim descrevia sua origem, mas na verdade era filho de artistas mambembes/circenses que viviam o hoje, e que simplesmente faziam o caminho, caminhando.
Violeta também era comprometida. Era noiva de um sujeito alto, branco, pés grandes, desengonçado. Antonio logo o apelidou de o abominável homem das neves. Violeta reclamava do apelido mas se divertia com o ciumes bem humorado. Ela casou com o abominável alguns anos mais tarde. O casamento durou uma década. Antonio nunca se afastou completamente. Sempre dava um jeito de aparecer. Os dois se encontravam, conversavam, riam, se divertiam, era como se o tempo não tivesse passado. Toda vez que se despediam sentiam uma certa tristeza, ficava no ar a sensação que precisavam de mais convivência.
Ao longo da vida sempre deram um jeito de estar presente, um na vida do outro. Havia entre os dois um afeto especial, algo que transcendia tempo, espaço, corpo. Eles se amavam de um jeito que só eles sabiam.
Depois da separação, Violeta colocou toda energia na sua carreira. Trabalhou, superou obstáculos, se superou, ganhou a admiração de muitos mas continuou só.
Antonio sonhava que era Ulisses e precisava embarcar em uma Odisseia particular. E foi embora, vagou pelo mundo, descobrindo, experimentando, se jogando de cabeça, quebrando a cara, mas todo ano, havia um dia na primavera que era sagrado e, independente de onde estivesse, ele dava um jeito de ligar para Violeta.
Ele, que sempre fazia piadas da origem espanhola de Violeta, criou uma expressão para defini-la. E assim todo ano, naquele dia de outubro, o telefone tocava e ela ouvia aquela voz inigualável, com aquele sotaque portunhol engraçado pronunciar: Feliz aniversário - pausa - La gran mujer de España ! Ela sorria emocionada, chamava-o de adorável maluco e por alguns minutos falavam como se nunca houvessem se despedido. Ao final ele sempre a convidava para conhecer o mundo, para viajarem juntos. Ela sempre respondia: um dia, um dia, seu maluco!
Trinta anos passaram como uma tempestade de verão. Violeta se casou novamente e Antonio voltou finalmente ao ponto de partida. O herói sempre retorna, dizia ele. E ele retornou, cabelos grisalhos, marcas no rosto mas o mesmo olhar de garoto curioso, de pioneiro, de viking tropical.
Esse encontro foi diferente. Violeta estava doente, muito doente. Antonio foi vistá-la no hospital. Entrou sem cerimônia e imediatamente ocupou um espaço que era seu. Os dois se olharam emocionados, se abraçaram e começaram a conversar. Violeta que estava bem debilitada, começou a sorrir com as maluquices e as histórias da Odisséia do Antonio. As pessoas surpresas com aquela cena foram saindo do quarto aos poucos, até que sós, os dois ficassem.
Algumas horas depois, o marido de Violeta entrou no quarto e ficou surpreso com o aspecto de Violeta. Antonio se apresentou e disse ter feito uma promessa para a cura da esposa, e ele não poderia se opor ao pagamento da mesma. O marido concordou.
Alguns meses se passaram e Violeta realmente se recuperou. Antonio voltou e revelou o preço da promessa : ele e Violeta fariam o Caminho de Santiago. Sim, os 890 Km, dos Pirineus a Santiago de Compostela.
Foram os trinta e cinco dias mais felizes que os dois tiveram na vida. Antonio documentou tudo: os diálogos, os sorrisos, as frases especiais, as revelações, as paisagens no caminho.
Um mês após voltar da viagem, Violeta faleceu. Antonio publicou um livro sobre a viagem algum tempo depois e saiu pelo mundo com as marcas da sua gran mujer em sua alma.
Antonio Augusto