Pressa
Eliane vivia sempre com pressa, sensação constante de estar atrasada, ou devendo algo a si ou aos outros. Ela estava sempre fazendo alguma coisa, procurando se antecipar, prever, evitar riscos, só esquecia de viver.
Saiu de uma reunião, pegou a estrada, dia chuvoso,acelerava pois estava atrasada para o póximo compromisso, falava com um telefone, mandava mensagens com o outro e tentava dirigir entre as duas coisas.
O motoqueiro apareceu como um raio. Ela tentou desviar, girou o volante bruscamente para a direita, ouviu um barulho e tudo se apagou.
Acordou em lugar de pé direito alto, luzes fortes por toda parte, uma multidão vestida de branco e uma placa gigante : CETA.
- Onde estou?
- No CETA, ora.
- O que é CETA?
- Centro de triagem de almas.
- De almas?
- Isso mesmo.
- Quer dizer que eu morri?
- Morremos.
- E essas filas imensas?
- Triagem.
- Demora?
- É sua primeira vez, não é?
- É.
- Já imaginava.
- Responda. Demora?
- Que diferença faz?
- Não gosto de esperar.
- Que fila é essa da direita?
- Dos avarentos.
- E aquela da esquerda?
- Mentirosos.
- Parece o SUS. E a do lado?
- Adúlteros.
- Olha a Maísa lá! E eu que achava que ela era uma santa.
- Santo é aquela expressa ali.
- Bem curtinha, né?
- Aqui não adianta ter padrinho. Você está chorando?
- Foi tudo tão rápido.
- É sempre muito rápido.
- Mas eu ainda tinha muito o que fazer.
- Vai ter que aprender a não fazer.
- Eu não sei viver sem pressa.
- E viver com pressa é viver?
- Não sei.
- Melhor descobrir, pois viva você não mais está.
- E daqui a gente vai pra onde?
- Que diferença faz?
- Sei lá. Sempre ouvi dizer que havia um elevador e quem se comportou mal, pegava o de descida.
- E você acreditou?
- Não tem elevador?
- Tem.
- E vai pro inferno?
- Não, leva você de volta.