Fatos e atos
Claudete amanheceu se sentindo estranha. Era um daqueles dias! Parecia que sua vida estava sendo vivida como um conjunto desconectado de fatos e atos. Ela tinha dificuldade de separar as causas dos efeitos, por não mais saber onde começavam umas e onde terminavam as outras. A única coisa que estava clara é que nada parecia fazer sentido e os seus sentidos alternavam períodos de alta atividade com uma certa dormência.
Como sempre fazia nessas situações, caprichou no look, teve vontade mas não se enxarcou de perfume e foi trabalhar.
Ao chegar ao escritório olhava para as pessoas e aqueles sorrisos formais de certa forma a irritavam. Ela não queria estar ali, nem lidar com aquelas pessoas. Foi para sua sala, fechou a porta e começou a olhar para o monitor do computador. Avisos de mensagens e emails pipocavam na tela mas ela insistia em não despertar. Estava imersa em si mesma até que ouviu uma voz dizer : deixe eu sair daqui!
Ela se recusou a ouvir aquela frase sem sentido mas que dizia muito.
Tudo na sua vida havia sido preciso, sensato, planejado, quase matemático. A essa altura da vida, colhia os frutos de tanto planejamento mas começava a perceber o que havia ficado para trás. E se dava conta que não era pouco!
A porta se abriu e o chefe colocou a cabeça, perguntando se estava interrompendo algo. Ele que adorava ser compreendido mas detestava dar explicações, se surpreenderia com a resposta que passou pela cabeça de Claudete, que sorriu educadamente e disse estar terminando algo importante. Ele soltou um tudo bem amarelado e fechou a porta.
Ela voltou a olhar para o monitor e ouviu a voz novamente: deixe eu sair daqui.
Em um gesto instintivo, pegou a bolsa, as chaves do carro e saiu correndo até o elevador. Ela entrou, as portas se fecharam e ela também queria sair dali. O elevador era uma metáfora viva de como se sentia.
De repente as luzes se apagaram, o elevador parou. Ela esperou longos dois minutos, se sentou no chão e começou a pensar nas expectativas não reveladas que se acumularam durante os anos e que foram desconsideradas em nome da sobrevivência. Ali, sem pode descer ou subir, presa no tempo e no espaço, ela se permitiu sentir tanta fragilidade e chorou. Chorou as dores, os medos, as escolhas,as perdas, as dúvidas e por tudo que não sabia, nem sentiu necessidade de saber.
Algum tempo depois as luzes voltaram, ela se levantou aliviada, apertou o botão do andar do escritório e voltou.
Antonio Augusto
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