Cartas de amor V
Minha Cara Helena,
Saí pelo mundo me procurando e vim para longe, muito longe.
Aqui na Patagônia, castigado por esse vento frio que penetra na pele, chega na alma e revela emoções escamoteadas pelo tempo e pelas defesas, olho para o céu e as estrelas abundantes formam uma obra de arte. Vejo cristais em um fundo negro e infinito.
Minhas mãos frias envolvem a xícara de chá de porcelana inglesa, que deve guardar histórias de muitas pessoas que aqui estiveram em busca de aventuras, sonhos, talvez amores e ilusões.
Sob esse céu estrelado, volto a sentir sua presença e lembrar das longas caminhadas que fizemos, divertidas trilhas de aventuras particulares, em comunhão com a natureza e com o que somos em nossa essência : eternos andarilhos e companheiros de viagem.
Sabe Helena, sinto falta de ver o mundo através dos seus olhos, do seu olhar e da sua forma peculiar de perceber cada nova paisagem. Era fascinante o jeito como você se encantava com a natureza e como celebrava cada nova forma descoberta, feito um artista em seu ateliê.
Aqui, sob as estrelas, estou cada vez mais perto do céu e de ti, pois a paz que invade meu espírito é a mesma proporcionada por sua presença, a qual anseio e sonho ter.
Com muitas saudades,
Miguel
Caro Miguel,
A Patagônia é tão distante, tão bela, tão você : um imenso deserto repleto de belezas e surpresas.
Sua carta trouxe um pouco desse vento frio, que percorreu meu corpo e me fez sentir mais sua falta, seu abraço e aquele acalanto, que só o corpo quente do homem amado pode trazer.
Fiquei imaginando você, nessa paisagem imensa, olhando para o céu estrelado, tendo inspirações, xícara de chá na mão e pensando em nós dois.
Muitas vezes o passado vai se distanciando e muito do que vivemos, passa a ser uma história contada sobre outros personagens, não aquela que vivemos. Contigo a sensação é que a nossa história invade o presente, por isso tenho sempre uma saudade imensa do que fomos.
Abri a janela, olhei para o céu, a paisagem urbana esconde as estrelas e a solidão, que sempre invade as noites da cidade.
Não sei porque lembrei da música do Belchior :
Há tempo muito tempo que eu estou longe de casa
E nessas ilhas cheias de distância
O meu blusão de couro se estragou
Quis sair ao seu encontro e não voltar mais, nunca mais.
Sinto muito sua falta.
Helena