Trincheiras
Sentado na varanda, devorando um romance histórico ambientado na Primeira Guerra Mundial, Jomar se inquietou ao lembrar que há longos sete dias, oito horas e vinte minutos não falava com Silvia.
Tudo aconteceu muito rápido : uma reclamação sobre algo pequeno (são sempe coisas pequenas) virou um discussão, troca de palavras duras, vozes alteradas, porta batida e o silêncio desde então.
Tentando se concentrar no livro, mergulhou nos detalhes da vida dura nas trincheiras, bases improvisadas em buracos buracos cavados pelos dois exércitos adversários, que marcam posições defensivas e passam longos períodos esperando o próximo ataque. A tensão e o medo consomem e causam mais danos à alma que ao corpo.
A medida que lia, Jomar percebia que ele e Silvia haviam construído suas próprias trincheiras naquela guerra particular. Isso sempre acontece quando partimos das certezas, principalmente quando existe a crença que estamos certos e o outro, bem o outro, está errado.
Cansado de estar certo mas distante, Jomar resolveu ligar.
- Oi, Silvia Cristina.
- Só minha mãe usa o meu nome composto e quando está brava.
- Não estou bravo.
- Eu estou.
- E certa.
- Claro.
- Estou lendo um livro e tive uma ideia.
- Qual?
- Precisamos siar das nossas trincheiras.
- Xiiii….
- Vamos inverter o que estamos acostumados a fazer.
- Como assim?
- Ao invés de gastarmos tempo provando ao outro porque estamos certos, vamos começar admitindo os erros.
- Admite erro quem errou.
- Silvia Cristina, ponha as armas sobre a mesa, por favor.
- Tá bom. Você começa.
- Eu acho que errei ao não ter levado a sério sua reclamação, ao ter sido sarcástico, impaciente e intolerante.
- Tá faltando.
- Faltando o quê?
- Pedir desculpas, ora?
- Tá bom! Desculpe por ter sido insensível, sarcástico, impaciente e intolerante.
- Tá bom.
- E você, onde errou?
- Deixa ver…
- Silvia Cristina!
- Eu acho que tenho um monte de desejos que não expresso claramente, fico esperando que você adivinhe, me surpreenda e aí…
- E aí?
- Eu me frustro e começo a ficar rabugenta.
- Que mais?
- E começo a pegar no teu pé, a achar um jeito de te irritar. É a forma de fazer você pagar por ter me frustrado.
- E não vai pedir desculpas?
- Preciso pedir?
- Eu pedi.
- Desculpe, Jomar.
- Você só me chama pelo meu nome quando está brava.
- Foi só pra te cutucar.
- Agora que saimos da trincheira, quando e onde vamos assinar o armistício?
- Em sua casa ou na minha?
- Território neutro. Aquele hotel boutique que usamos em ocasiões especiais?
- Armistício com fogos de artifício?
Antonio Augusto