Desejos
Lígia estava casada há 20 anos, tinha dois filhos,uma vida estável. Causava surpresa como, após duas décadas, o marido ainda a tratava com tanta deferência e cuidado. Na verdade era um cuidado que cheirava a controle. Ligava demais e exigia sua presença. As ligações excessivas e as perguntavas intermináveis a cansavam cada vez mais.
Ele vivia uma certa simbiose e ela queria mais espaço, mais tempo para si própria. Os filhos estavam crescidos, eram independentes e já trilhavam os próprios caminhos.
Lígia era dona de uma pequena empresa bastante próspera, o que se refletia numa situação financeira bem estruturada.
Ela tinha tudo mas andava insatisfeita e não sabia extamente com o quê.
Por sugestão de um amigo começou a fazer terapia,a confrontar as verdadeiras questões e descobriu o que a incomodava após seis meses de terapia.
Lígia possuía um espírito livre, pioneiro e aventureiro. Havia um certo desejo associado à liberdade e a descoberta, que havia sido enterrado em função do trabalho, das responsabilidades de mãe, esposa e empresária.
O desejo da mulher era crescente e isso aumentava sua insatisfação.
Ela olhava para o marido que já vinha há algum tempo reclamando da falta de desejo dela. Na verdade não havia falta de desejo, ela simplesmente não tinha desejo por ele. Mas como expressar isso? O marido havia se tornado um grande amigo e o sexo era cada vez mais infrequente, rápido e insatisfatório para ela.
Lígia sentia falta de um certo tesão arrebatador, de um domínio de macho que aquele homem tão próximo e tão importante, não era mais capaz de dar. Ela sabia que a vida é feita de escolhas e perdas, sabia exatamente de tudo de bom que havia construído mas continuava sentindo desejo.
Esse desejo passou a ter nome e endereço quando começou um tratamento dentário. O primeiro olhar entre ela e o dentista, revelou uma certa conexão que aguçou seus sentidos. A cada consulta o desejo aumentava e mesmo o toque do joelho dele em seu braço provocava pensamentos deliciosamente indecentes. Seu corpo parecia ter criado uma certa autonomia e respondia de um jeito que a surpreendia a cada dia.
Antes de entrar na sessão de terapia, atendeu uma ligação do marido, disse que precisava desligar, e entrou no consultório.
Durantes 45 minutos falou do desejo que a consumia e como se sentia, das dúvidas sobre o que fazer, da necessidade de decidir entre o que desejava e o que pensava.
Terminou a sessão e ao chegar ao carro percebeu que o celular havia ficado ligado. O marido provavelmente ouvira toda a sessão.
Lígia entrou no carro e começou a pensar. Não sabia o que fazer.
Chegou em casa, o marido sentado na varanda, olhar perdido e um ar de profunda tristeza.
Ela se sentia estranha, estava triste por tê-lo magoado mas não se sentia culpada.
Três horas depois, cansada daquele silêncio perturbador, entrou no quarto, olhou para ele e disse que precisavam conversar. Ele respondeu que não havia sobre o que conversar, que o tempo se encarregaria de tudo, de definir o que era importante, o que era essencial,o que deveria ficar e o que deveria ser descartado.
Lígia, que sempre tomava as iniciativas, percebeu que dessa vez era melhor esperar, talvez o tempo fosse sim, o seu maior aliado.
Pensando nisso,adormeceu e continuou sonhando com seus desejos.
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