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Felicidade ?

Postado por Antonio Augusto em 18 Janeiro

Felicidade ?

Ela acordou, olhou pela janela, a paisagem exibia uma natureza exuberante, um céuazul de cinema e um sol de verão tropical. Ela se sentia bem, na verdade bem demais! Estava tudo no seu devido lugar, nada a preocupava e, para sua surpresa, percebia-se num estado de leveza e tranquilidade.

Tranquilidade? Como poderia estar tranquila? A vida é cheia de surpresasdesagradáveis, montanhas a serem transpostas, e agora ela estava no vale, tranquila, sem nada a temer. Como não temer nada?

Passou a temer a possibilidade de não ter o que temer! E se a ausência de medoacabasse com seu estado de alerta, responsável direto por sua sobrevivência? E se ela se tornasse complacente, despreparada para lidar com os mistérios, as armadilhas e puxadas de tapete que a vida sempre apronta? E se esse estado de graça, em que ela curiosamente se encontrava, fosse parte de um estratagema maior para destruir suas defesas e deixá-la vulnerável ao que estava por vir?

“Será que a tranquilidade é um cavalo de Tróia?”, pensava ela enquanto vasculhavasua vida em busca de indícios de uma conspiração.

Começou pelo marido. Havia tempos que ele se mostrava atencioso, amoroso, parecia antecipar seus desejos. Seria culpa ou os anos de relacionamento criaram uma intimidade acolhedora? Será que ele enfim aprendeu a amá-la — do jeito que ela desejava — ou estava prestes a ir embora, e o sentimento de culpa amolecera seu coração? Não tinha como saber, mentes masculinas são mais inóspitas que algumas regiões da Sibéria.

Parou de pensar na mente e sentiu o corpo. Nesse quesito também estava melhor,sentia-se mais solta, mais livre, e o prazer era cada vez mais intenso. Surpreendentemente a frequência e intensidade das noites de sexo vinham aumentando.

Novidades depois de tanto tempo? De onde viriam a inspiração e o aprendizado do que parecia ser um kama sutra caboclo? “Aí tem!”, pensou ela. Numa época de personal trainer, personal stylist, personal shopper, estaria ela sendo vítima de uma personal sex trainer? Só de pensar no que poderia ser uma sessão daquela desgraçada gostosa treinando seu marido, apavorou-se! Era inaceitável, mesmo que fosse ela própria beneficiária das técnicas aprendidas pelo aluno dedicado.

Lembrou-se também que andava muito solta, nos últimos tempos havia falado coisas impensáveis, exposto desejos que nunca deveriam se tornar públicos. Será que revelações bombásticas como essas poderiam ser usadas contra ela na justiça? Ele não ousaria! Não mesmo?

Pensou no trabalho e em tudo que fizera no ano que havia se encerrado, nos elogiose no significativo aumento de salário. Estava de férias por sugestão do chefe. Pensou, então, nos casos de amigas que haviam sido demitidas ao voltar de férias.

Por último, veio-lhe o checkup realizado uma semana antes. Tudo em ordem, maso médico disse que precisavam conversar. Será que ele teve acesso a algum resultadoque estava indisponível na internet? Respirou fundo para espantar os pensamentos, que continuavam a aparecer como contas no final do mês.

O estado de leveza e bem-estar iniciais foi substituído por uma ansiedade cruel. Tinhade fazer algo, precisava mudar de vida, de emprego e cuidar mais da saúde. Não havia mais tempo a perder com aquela sensação de bem-estar. “Ou será que tudo é ilusão?”, questionou-se mentalmente.

Perdida em meio a tantas reflexões, ligou aos prantos para a melhor amiga, que pediucalma e, após ouvi-la por duas horas, sugeriu um psicanalista conhecido.

Lutando contra a ansiedade que a consumia, tomou banho, colocou seu vestidofavorito e no final da tarde foi para a primeira sessão. A amiga havia implorado que oterapeuta a atendesse logo, era uma caso de urgência.

Chegou ao consultório, sentou-se na sala de espera e aguardou longos 28 minutos.

O psicanalista abriu a porta e a cumprimentou. Indicou uma larga poltrona de couro,sentou-se na outra, sorriu e perguntou:

— Em que posso ajudá-la?

— Doutor, meu caso é sério.

— Fale-me a respeito.

— Tenho tido crises de ansiedade e pânico.

— E você suspeita de qual seja a causa?

— Felicidade! Tem cura?

Antonio Augusto

Sobre o Autor

Escritor

Antonio Augusto escreve sobre o que vê, sente, entende e aprende.

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