Sobre amores modernos

Sem âncora


Apesar de cético, as palavras da astróloga insistiam em visitar sua mente: “Os astros indicam um encontro de almas em breve. Esteja aberto. Olhe para os lados e mantenha-se atento!”.

No dia seguinte, preso no trânsito, olhou e viu, no carro ao lado, um adesivo que dizia:

“Cansei de procurar, agora quero ser achado”. Aquela frase fazia mais sentido do que tudo que ouvira nas duas horas que passara tentando decifrar os sinais do cosmos.

São Paulo amanhecera com um lindo dia de sol, céu incomumente azul. Ele acordou se sentindo bem. Muito bem na verdade. Preparou seu café da manhã e, enquanto comia, viu o aviso na tela do iPad. Era seu Facebook. Ísis tinha enviado uma mensagem querendo contato.

Ísis? A última vez que a vira foi há dez anos. As fotos revelavam uma mulher diferente daquela que guardara na memória, mas o sorriso largo era o mesmo, assim como o efeito que causava nele.

Digitou uma mensagem com seu número de telefone, teclou ENVIAR e foi atrás da sua rotina.

Eram onze horas quando o telefone tocou.

— Luis Augusto?

— Sim, sou eu.

— Aqui é a Ísis!

— Ísis, bom ouvir sua voz.

— Tenho três perguntas pra te fazer.

Ele não se lembrava (ou não queria lembrar) por que haviam se afastado. “O tempo enterra tanta coisa!”, pensou ele.

— Ísis, não nos falamos há mais de uma década e você tem três perguntas pra mim?

São de múltipla escolha, pelo menos?

Ísis deu uma gargalhada.

— Pelo visto você continua querendo contextualizar tudo e manteve o bom humor,não é mesmo?

— Acho que sim.

— Você está casado?

— Não, continuo sozinho.

— Caramba, se o analista é o mesmo, não está adiantando nada.

— Essa é a segunda pergunta?

— Não, foi uma afirmação.

— A segunda pergunta, por favor?

— Você me amou de verdade?

— Muito e profundamente!

— Mas me deixou ir embora, né?

— Você queria viajar o mundo, realizar sonhos, navegar os sete mares, como costumava falar.

— E você com seu barquinho no cais, âncora de duas toneladas.

— Troquei de âncora. Pesa bem menos e consigo levantá-la quando desejo. Tenho até

navegado um pouco.

— Que progresso, hein?

À medida que conversava com Ísis, a memória afetiva tomava conta e ele se lembrava do quanto sofreu quando ela partiu. Sofreu também por sua incapacidade de soltar as amarras e segui-la. Lembrou da música que ouvia para tentar ganhar coragem: “O amor é um descanso. Quando a gente quer ir lá, não há perigo no mundo que te impeça de chegar”.

Sentiu tanta tristeza por não ter conseguido!

— E a terceira pergunta?

— Até onde você iria pra recomeçar sua vida?

A pergunta caiu como uma bomba. Ele não podia pensar em uma resposta articulada,

óbvia, racional, e talvez a falta de lógica fosse a resposta. Ele tinha a resposta. Simplesmente sabia.

Pediu o endereço de Ísis e saiu apressado.

No caminho a estação de rádio tocava Adriana Calcanhoto.

“Entre por essa porta agora […] você tem meia hora pra mudar a minha vida.”

Talvez os astros tivessem razão e houvesse reencontros e alinhamentos de planetas,possibilitando que eventos voltassem a ocorrer.

Talvez? Dessa vez não haveria talvez!

Jogou a âncora fora e foi reencontrar seu destino.


Antonio Augusto


Você pode reservar o livro do Antonio Augusto, clicando no link abaixo :


http://www.antonioaugusto.blog.br/prevendalivro.asp