Depois do Natal
Todo ano ele voltava para a pequena cidade do interior onde nascera para visitar a família e passar o Natal. Era uma experiência interessante, apesar de repetitiva.
Voltar ao interior era um passeio através do túnel do tempo com um importante detalhe: as pessoas estavam cada vez mais diferentes mas tudo parecia tão igual. Era como se assistisse uma mesma série de TV onde os cenários eram os mesmos, mas os personagens haviam envelhecido. Ele não se sentia tão mais velho, mas percebia a passagem do tempo na forma de lidar com as pessoas, de se relacionar com elas. Também se tornou um observador que conseguia se colocar fora da cena e ver realmente o que se passava.
Em família, era fácil enxergar antigos ressentimentos disfarçados em cordialidades artificiais, disputas veladas, confrontos de egos, alegrias, afetos genuínos e tantas emoções criadas e potencializadas. Eram exatamente aqueles sentimentos intensos, às vezes contraditórios, que o faziam se sentir em casa.
No dia seguinte acordou e foi andar pela cidade. Era estranha a sensação de ser conhecido por onde passava. Acenos, sorrisos, surpresas a cada quadra. Memórias preciosas começaram a brotar e a sensação de perda do anonimato não o incomodava.
Como sempre fazia, foi ao cemitério visitar o túmulo do tio, que fora uma figura marcante na sua vida. Com ele aprendeu a importância de sonhar, de pensar, de ver o que ainda não existia mas poderia virar realidade. Lembrou da frase que sempre repetia : “Filho, pobre é quem não sonha, e quem não sonha, não realiza".
Chegou ao cemitério e lá estava a placa na entrada, que sempre o fazia rir e refletir:
Nós, ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos!
Entrou, foi visitar o túmulo e ter uma longa conversa com o tio. Sempre pensava nele, sentia sua falta, mas estar alí de certa forma o confortava.
A cada ano fazia uma espécie de inventário sobre tudo que havia acontecido, sobre os ganhos e principalmente sobre as perdas, pois elas sempre pesam mais, nos ocupam mais.
Falou por duas horas como se o tio estivesse presente. Mas não era um mónologo. Haviam pausas para as respostas, era como se ele realmente pudesse ouví-lo.
Antes de ir embora, ajoelhou-se, fez uma oração e se despediu.
No caminho de volta lembrou que 35 anos haviam se passado desde que partiu em busca de uma vida diferente.
Muitos sonhos realizados, tantos ganhos e tantas perdas, pensou que talvez fosse hora de voltar pra onde se sentia em casa.
Antonio Augusto
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