Sobre amores modernos

Sessão de terapia

- Hoje eu acordei p... da vida.

- Com o quê?

- Comigo, com o que deixei de fazer, com o que não consigo fazer, com o que queria fazer, com as perdas, com as pessoas, com o mundo.

- Você se exige demais. 

- Obrigado, me ajudou bastante saber. Eu me exijo? O mundo me exige.

- Mas você nem sempre tem que atender o mundo.

- Fácil falar.

- Mais difícil ainda é tentar fazer o impossível o tempo todo.

- Não foi essa a chave do meu sucesso?

- Sucesso profissional e material, sim.

- Não me venha repetir que a minha vida afetiva deveria ir pra recuperação judicial.

- Nunca disse isso. 

- Vive me mostrando que não acerto, que repito os mesmos erros. Um saco. Parece o grilo falante da Disney.

- O que você quer ouvir?

- Que há luz no fim do túnel, que as coisas se ajeitam, que vai dar tudo certo.

- Já disse tudo isso mas…

- Mas eu insisto em não acreditar.

- Não, você insiste em querer impor o seu ritmo em tudo. E aí se atropela, atropela o outro e fica ainda mais ansioso.

- Ansioso, eu?

- Ansioso, apressadinho, impaciente.

- Cheguei a conclusão que esse negócio de terapia atrapalha. A alegria dos ignorantes me parece melhor.

- Há sempre a opção de ignorar a realidade, mas você não pode ignorar os efeitos dela. A conta sempre chega depois !

- Acho que eu era feliz e não sabia.

- E o que mudou?

- Agora sei da minha condição, logo estou infeliz.

- Condição demasiadamente humana como disse um filósofo.

- Você bem que poderia ter uma solução.

- Para quê?

- Para meus dilemas, minhas dúvidas, minhas dores, meus medos, sei lá.

- Seria bom…

- Mas o tempo está passando e eu…

- E você?

- Estou ficando velho, mas outra pessoa não queria ser...

- E isso não é bom?

- Deveria ser. Como disse uma amiga, estou cada dia mais parecido comigo mesmo.

- Está até se dando o direito de expressar suas frustrações.

- Não tinha pensado nisso mas é verdade.

- Nosso tempo…

- Entendi. Já vou embora. Sem respostas, com mais perguntas e com dever-de-casa pra fazer.

- Assim é a vida. 

Antonio Augusto

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