Achou que não era possível, talvez fosse um sonho bom que acabaria logo. Esfregou os olhos, respirou fundo e também o peito parecia limpo, livre e...e sem dor.
Foi até a varanda e lá permaneceu por alguns instantes, sentia o chão frio sob seus pés, ouvia o canto de alguns pássaros, o som das pessoas que conversavam na rua, sentia o cheiro de café. Seus sentidos pareciam ter saído de um estado de anestesia. Era como se tivesse andado em um corredor estreito por muito tempo, e de repente saía em uma avenida larga, movimentada, cheia de novos caminhos e possibilidades.
Era o novo em cores, sabores, cheiros, sensações, sons e esperança. O vizinho ouvia uma música do Jota Quest: Dias Melhores. "Vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás". Começou a cantar, gostava de cantar, de participar de corais, de deixar se levar pela música, mas há tempo perdera o ritmo.
Ele então se lembrou de tantos dias que deixou para trás, que não conseguia viver, onde a dor era o começo, meio e fim. Aquele lugar escuro, úmido, onde fazia frio na alma e a vida encolhia a cada momento. Também lembrou do medo que o resto da vida fosse daquele jeito, e isso o fazia sentir ainda pior.
Em sua mente reviveu tudo que deu errado e a sequencia de tentativas. Ele cresceu e viveu fazendo, realizando, tomando iniciativas, resolvendo problemas. Esqueceu que há coisas na vida que não dependem apenas de nós, de nossos sentimentos, nossas ações. Dependem também do outro, e o outro pode ser nosso céu ou nosso inferno.
O outro é a oportunidade que a vida nos dá pra descobrir que não temos controle de nada, que simplesmente podemos ser engolidos quando damos o primeiro passo para fora de casa a cada dia.
Sentia-se livre da dor porque aprendeu a lição. Agora sabia o quanto doloroso pode ser, querer o controle. Aprendeu a importância de aceitar o que não é possível mudar e seguir em frente.
O vizinho DJ que tinha um gosto musical eclético, cuja trilha sonora revelava uma vida de amores, dores e desencontros, colocou um pagode. Torceu o nariz mas estava de bom humor. Prestou atenção, sorriu e começou a cantarolar:
Deixa a vida me levar, vida leva eu!
Antonio Augusto