Saudades de si
Ele andava com saudades de si mesmo. Sentia falta das estórias que contava e divertia os amigos e amigas, das frases espirituosas politicamente incorretas, das observações do cotidiano que tiravam da vida uma certa alegria, alegria que criava vontade de viver, alegria que se refletia no sorriso largo e sincero e nos olhos que constantemente brilhavam.
De um certo tempo pra cá as certezas haviam sumido, vivia num emaranhado de dúvidas, incertezas e pré-catástrofe, como se houvesse um terremoto a acontecer, uma chuva de granizos inesperada, uma avalanche que cobrisse tudo, a ele e a seus sonhos. A tragédia iminente trazia um cansaço imenso e ele se sentia envelhecendo, diminuindo o ritmo, parando em si próprio.
Havia tempo que deixou de prestar atenção nos sabores e nas pequenas felicidades que faziam da vida algo mais palatável, apesar das dificuldades, das perdas, das impossibilidades.
Caminhando pelo parque, ele avistou o banco onde costumava sentar, pensar, olhar, ver, ouvir e escrever. Naquele banco escreveu inúmeras cartas que nunca enviou, escreveu poesia e prosa, escreveu sobre o que viveu, o que deveria ter vivido, o que desejou viver,o que deixou de viver, mas sempre escreveu.
Hoje, além da alegria que parecia apenas uma memória, também tinha dificuldade de escolher as palavras, de realizar o prazeroso exercício de colocá-las em sequencia e criar um mundo novo, de novas possibilidades, um mundo onde sabia que pertencia e de onde , sem saber como nem porque, se exilara.
Uma chuva fina começou cair e os pingos frios,de alguma forma, davam a sensação que ele acordava de um estado onde só era posssível sofrer, onde cada coisa simples era transformada em calamidade, cada possibilidade era descartada, cada gesto desconsiderado, um mundo onde tudo encolhia e ficava do tamanho de um amor pequeno, bem pequeno !
Amor pequeno, pensou ele? É, amor pequeno, respondeu uma voz que vinha de uma árvore.
Amor pequeno, na verdade, não é amor. Amor pequeno é dúbio, é dividido por definição, tira e não dá, vem mas não chega.Amor pequeno é um buraco negro que suga a energia vital e deixa sempre menos do que retirou, até que tudo se acaba. Amor pequeno é um nome bonitinho para desamor - e desamor pode ser cruel, mesquinho, mordaz.
Não sabia porque pensava no desamor mas todos os caminhos levcavam a esse lugar nenhum, onde não havia portas, nem saída, nem solução, apenas a necessidade de confirmar o que não era necessário provar.
A chuva continuou a cair e ele começou a andar, de repente ele sentiu uma esperança que enchia seu corpo e sua mente de energia, e ele começou a correr, a medida que corria ia sentindo o gosto da liberdade, de poder ser quem realmente ele era, sem cuidados excessivos, sem ameaças, sem medos, sem amarras. Ele corria e não sabia aonde chegaria mas estava feliz por poder novamente correr e observar o mundo em volta com suas cores, suas nuances, suas possibilidades.
Correu até não mais aguentar e foi diminuindo o ritmo até se ajoelhar na grama. O cheiro de terra molhada fez daquele lugar um altar, ele rezou e agradeceu por ter se reencontrado consigo mesmo. Naquele momento sorriu e a saudade foi embora como a chuva que molhou o seu rosto.
Antonio Augusto
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