Cartas de amor IV
João Pedro,
Lidar com a traição é percorrer um caminho tortuoso, doloroso e aparentemente sem volta.
Desde que tudo aconteceu tenho sofrido muito, me revirado por dentro, questionado meus valores, crenças e até minha vida.
Você sabe que sempre acreditei na importância dos rituais. Nossa cerimônia de casamento foi uma celebração muito bonita, profunda, trocamos votos. Eu sempre procurei viver e seguir os compromissos que assumi.
Era na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza, era a promessa de amar e respeitar. Tivemos momentos difícies e temos hoje mais do que precisamos, tivemos doenças que nos mostraram a importância de ter um ao outro. Você sempre foi meu melhor amigo e eu sempre confiei a você a chave da minha alma.
Você sabia o quanto a fidelidade era importante para mim. Sabia o que aconteceu com a minha mãe, o quanto o abandono do meu pai me marcou. Eu sempre tive desconfiança da figura masculina, sempre achei que os homens abandonam no final.
Ao te conhecer tive (e quis) mudar meus conceitos porque queria ficar contigo. Eu sempre abandonei os homens que me amaram. Com você foi diferente, eu quis ficar, fazer planos, e desejei que fosse para vida toda.
Pensar que era para vida toda fez muita diferença. Passei a olhar os problemas sob uma outra ótica, me tornei mais tolerante, menos intransigente. Sempre que encontrava algum obstáculo, parava e pensava que tinha que resolver, porque era pra vida toda.
Quando descobri sua traição, senti uma dor imensa que me rasgou inteira. Eu perdi o ar, o chão e o equilíbrio. Senti um espinho imenso cravado no meu coração. E ele continua aqui, penetrando devagar e fazendo doer.
Conversei com a Lurdes, aquela do centro espírita, e ela me disse que falar em perdão quando não há desafios, quando é apenas um conceito teórico, é fácil. Mas o perdão perante uma situação concreta, como a nossa, é o grande desafio em busca da evolução.
Eu juro que tentei, rezei, queria te perdoar mas ainda não consigo. Algo entre nós se quebrou, feito uma taça de cristal trincada.
Eu olho para você e tenho raiva, tenho pena, tenho saudades do que nunca voltaremos a ser novamente.
O espinho continua aqui e eu te peço que se afaste. Qualquer contato nesse momento me faz mal e atrapalha. Leva tempo para cicatrizar a ferida aberta.
Isabel
Essa foi uma das inúmeras cartas que Júlia escreveu e nunca enviou.
Antonio Augusto